segunda-feira, 10 de junho de 2019

Defesa da Alegria

Eu tenho a impressão que, neste momento sombrio que vivemos, conservar a alegria chega a ser um gesto revolucionário.

Guimarães Rosa afirmou, encarnado em Dito dando conselho a Miguilim, "que a gente pode ficar sempre alegre, alegre, mesmo com toda coisa ruim que acontece acontecendo". É difícil, mas é importante. E não se trata de autoajuda ou coaching for life e nada disso. É que gente triste, entediada, desesperançosa, essa gente não muda a realidade.

Sábado, quando o grupo Praga de Baiano abriu sua apresentação provocando: "não se assuste pessoa se eu lhe disser que a vida é boa", aquilo mexeu com um monte de coisas dentro de mim. Se a alguns cantar isso pode aparentar maluquice ou alienação, eu tenho a plena certeza de que só assim superamos estas trevas. Só iluminando de sorrisos.

Vejo tanta gente adoecendo o meu redor, de doenças da alma, vejo tanto medo e tanta violência nos atos e nas palavras, que se a gente não tiver a alegria para se acolher, se acalentar, eles vencerão. Tanta gente que se deixa contaminar por esse terror todo e se instrumentaliza de insegurança, de desconfiança, de ensimesmamento para poder sobreviver... Eu penso que tem que ser exatamente o contrário.

Não à toa os artistas se tornaram inimigos a serem combatidos. A alegria é poderosa. A arte é poderosa. A memória é poderosa. A generosidade é poderosa Tentarão destruir tudo isso, mas nós as defenderemos.

"Defender a alegria como uma trincheira
defendê-la do escândalo e da rotina
da miséria e dos miseráveis
das ausências transitórias
e das definitivas".
(Mario Benedetti)

segunda-feira, 3 de junho de 2019

Juntas

Uma vez, ao dizer a um interlocutor respeitável, que não gosto de uma cantora famosa, ouvi assim:

- Vocês mulheres são muito cruéis umas com as outras.

É sim verdade. E é sim mentira. Porque a vida é o quê? É dialética mesmo.

Hoje em dia, não me poupo mais de meus gostos e desgostos. Gosto das minhas opiniões formadas, porque as formo à revelia de quem me queria eterna aceitante do que me trazem. Então não, então opino. Gosto e não gosto. Meu gosto. Boto à prova, na serenidade de quem sabe o que quer e tenta saber ouvir. Na insegurança de quem quer sempre ser compreendida, não julgada.

Dizem que as mulheres são bastante competitivas entre si, especialmente nos espaços que mais habitei nesta vida, como Música e Política. E por que será? Desde cedo, sempre percebemos que não há espaço pra todas. São poucas as mulheres que vencem, e essas sempre são usadas para que o status quo afirme que as mulheres sempre podem vencer. É mentira que sempre podem. Os filtros que colocam pra nós são da ordem do MUITO MAIS (mas MUITO MAIS mesmo) que pros homens. Muitos filtros. E eles vêm, principalmente, da vida material. Você sabe por quê Clementina e Jovelina só se tornaram conhecidas depois de terem mais idade?

Pois então. Não xingue nem critique nem muito menos condene as mulheres que têm essa dificuldade, que se veem em disputa, que temem perder o que não têm - seu espaço. De outro lado, nós também vamos entender que não há nada o que fazer se não for juntas. Chega de ser a exceção. Queremos ser a regra.

Sabe o que é mais legal? Tentar fazer realmente um mundo onde caibam TODAS, como cabem os homens. Personalidades, forças, vivências, artes, tudo é diverso, as mulheres são tantas! Eu quero um mundo onde caibam todas. E se não... Por que será que os homens teriam tanto receio das cotas??! Perder espaço? Pois é! Bem-vindoooos!


quinta-feira, 30 de maio de 2019

O Sonho, a Vida, a Roda Viva

Assisti pela TV Brasil o show MPB-4 - O Sonho, a Vida, a Roda Viva - 50 Anos Ao Vivo. Sem medo de recorrer ao senso comum da expressão "eu faço parte disso", eu afirmo emocionadamente que é bem o contrário: o MPB-4 faz parte de muito do que sou e, especialmente, do que me tornei ao trazer a Música para o centro da minha vida.

Eu os escuto encantada desde pequena, quando O Pato me enchia de compaixão porque só se dava mal, mas mesmo depois de ir para a panela, continuava quaquarejando e resmungando coisas que eu não entendia, até a música terminar. Comoveram-me todas as parcerias com o Quarteto em Cy, que amo também, e acho que tudo que interpretaram juntos se tornaram versões definitivas - olha que foram algumas das mais belas obras da nossa Música Popular. Entre os primeiros CDs que comprei, estava lá um da coleção Millenium, Quarteto em Cy e MPB-4. Certamente um dos que eu mais ouvi na vida.

Acompanhando esse lindo show ao qual aqui me refiro, dei-me conta de que a influência deles sobre mim é ainda maior do que eu pensava. Aquele repertório comemorativo - aliás: eles sabem melhor do que ninguém escolher repertório -, traz músicas que falam comigo diretamente ao coração, saem pelo corpo carregando meu sangue e, sei lá como, chegam à garganta, e aí eu canto.

A participação especial de Kleiton e Kledir foi o que sacramentou tal percepção. Por que diabos eu cortei essa do set-list, pensei comigo, referindo-me a Vira Virou, que eu queria ter cantado no lançamento do meu Outras Manhãs, mas foi uma das que precisei riscar para que o show coubesse em uma hora e meia. No pot-pourri do bis, lá estão eles a expor a questão amarga de Sidney Miller, Pois É, Pra Quê?, canção afiada à qual destinei a mesma borracha.

Até o que eu não fiz está presente em mim através deles.

Então, sem ter como agradecer o MPB-4 por todas as aulas que já tive com eles nesta vida; eu precisei vir aqui dizer isso pra vocês que me leem: quem tiver a oportunidade de assistir MPB-4 - O Sonho, a Vida, a Roda Viva - 50 Anos Ao Vivo, agarre-a com um abraço afetuoso.


terça-feira, 14 de maio de 2019

Em defesa da Cultura Brasileira

Tem gente que se acha super patriota porque chora quando a seleção de futebol masculino perde.

Pra mim, isso tipo foda-se.

O orgulho que eu sinto é da nossa cultura popular, da arte produzida no Brasil, da Clarice Lispector, do Machado de Assis, do Guimarães Rosa, do Drummond, do Manuel Bandeira, da Cecília Meireles, Carolina de Jesus, do Portinari, da Tarsila, do Mário de Andrade, do Aleijadinho. E de Noel Rosa, Tom Jobim, Chiquinha Gonzaga, Carmen Miranda, Chico Buarque, Baden Powell, Caetano Veloso, Cartola, Candeia, Clementina, Clara Nunes, Elis. A Música é aquela deusa à qual todo mundo tem acesso.

A Música tem sua própria cadeia de produção, e muitos que vivem dela. Para fazer meu show no Clube do Choro no último dia 4, eu precisei de mais do que oito músicos. Alguém fez os arranjos, a direção musical. Alguém produziu o show, ou seja, assegurou materialmente que ele acontecesse. Alguém trabalhou para contatar e divulgar via imprensa, via redes sociais e outras formas de contato. Precisou de designer gráfico. Teve o técnico de som, o iluminador. Precisou de alguém na bilheteria, outro na portaria, precisou de uma equipe de limpeza e de garçons. Antes de tudo isso, alguém trabalha para organizar uma programação, alguém coordena esses processos todos, alguém capta recursos para viabilizar tudo isso, porque o Clube do Choro oferece aos artistas da cidade e ao público uma estrutura para que possamos compartilhar Música e Arte. E ainda tem os fornecedores. E ainda tem a Escola de Choro, professores, material didático, estrutura da escola, funcionários da escola.

O show era de lançamento de um disco, que demandou que alguém o gravasse, mixasse, masterizasse. Precisou de fotógrafo, ilustrador. Houve uma empresa de prensagem.

Olha quantos empregos envolvidos diretamente na cadeia de produção da Música! E estamos falando de um único show, de uma única casa, de um único disco.

Brasília forma e exporta grande músicos, artistas maravilhosos que levam nossa arte para o mundo, como Hamilton de Holanda e Zélia Duncan. Pedro Martins tem estado - agora - nos nossos jornais, reconhecido internacionalmente por sua guitarra tão única e inspirada. E é muito mais gente, muito mais. Gente de fora vem conhecer a Música e os músicos de Brasília. Sabe por quê? Porque Brasília tem a Escola de Choro, o Clube do Choro, a Escola de Música. Porque Brasília tem o FAC, tem espaços públicos onde se pode compartilhar a arte que se produz.

Se você acha muito bom ver o nome de uma empresa pública estampada na camisa de um time de futebol e acha muito ruim que haja políticas públicas de cultura que envolvam leis de incentivo, apoio e financiamento público de projetos culturais de interesse social, então, você realmente não merece morar na cidade que Niemeyer desenhou.

Quando um edital do FAC, que foi encaminhado adequadamente segundo as leis do DF, é cancelado, o fora-da-lei não é o artista não. Os fora-da-lei são o governador e o secretário de cultura, que, ainda mais do que exterminar a cultura da cidade, contribuem para tirar emprego de toda essa turma que citamos parágrafos acima.

Todos queremos a reforma do Teatro Nacional. O Governo tem a responsabilidade e o dever de promover a reforma, de devolver o Teatro à comunidade artística e ao povo do Distrito Federal. E ele tem que fazer isso sem desviar dinheiro da comunidade artística e da população. A deputada Érika Kokay, por exemplo, se ofereceu para buscar esses recursos via emenda da bancada federal do DF ao orçamento federal (*). Seus esforços foram rejeitados pelo governador.

Quando um espaço de convivência como o bar A Vizinha sofre uma multa de mais de R$10 mil por proporcionar música aos seus frequentadores durante 4 horas nas tardes de domingo, então estão sendo sacados os empregos dos músicos, dos atendentes, dos cozinheiros. São cancelados contratos com fornecedores de todo tipo, desde a bebida até a tenda. Estão sendo anulados espaços de convivência, de lazer, de arte. Estão nos aplicando um calaboca mesmo.

Um músico, geralmente, é um trabalhador precarizado, que não tem seus direitos trabalhistas assegurados e nenhum tipo de proteção social. Músico, assim como tantos trabalhadores informais ou "free-lancers", quando não trabalha, não recebe. E é a Música do músico que movimenta bares, teatros, centros culturais, que oferece matéria-prima pro rádio, pra festa, pra trilha sonora da sua vida, pro tema do seu romance, pra sua nostalgia. Se você acha isso pouco, então parece que esta sociedade horrível neste momento horrível que vivemos causou danos irreparáveis em você.

Aos que desejam o pleno e absoluto silêncio, recomendo a vida de ermitão. Ficaremos felizes de poder contar com sua ausência. Aos que sabem muito bem o que estão fazendo, recomendo prestarem atenção nas riquíssimas festas que tomam lugar em clubes e estádios, cujo som atravessa a cidade, e contra as quais nunca se move nem uma palha.

Os cachês dos músicos estão congelados há mais de dez anos, quando não retrocederam, em alguns casos. O sujeito paga mais de R$100 pra ir ver seu time no Mané Garrincha, e pede pra tirar da conta o couvert de R$15 da música que ele curtiu a noite toda. O bar não negocia o aluguel de jogos de mesas, a compra de toalhas, as contas de água e de luz, ou com os fornecedores de bebidas e alimentos, mas chora pro músico reduzir seu cachê.

É assim mesmo, desse jeitinho aí.

Cancelar editais do FAC, bem como recusar-se a rever a absurda e antiquada Lei do Silêncio, é censura, é calaboca, é emudecer a cultura e gerar desemprego. Tudo isso orna muito bem com os tempos que vivemos, de subserviência, vira-latice e ignorância relinchante.

Mas sabe outra coisa que orna também? Gritar. Porque calado (a), como nos querem, a gente não fica não.

(*) Nota da deputada Érika Kokay:
"Entrei em contato com o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), na última sexta-feira (10/5) para sugerir que ele mantivesse os recursos do Fundo de Apoio à Cultura (FAC), com o compromisso desta parlamentar de construir junto à bancada federal do Distrito Federal uma emenda de bancada, para 2020, com o objetivo de reformar o Teatro Nacional. A proposta foi um dos encaminhamentos de audiência pública, realizada na Câmara Federal, no último dia 2 de maio, que discutiu o FAC e a Lei Orgânica da Cultura (LOC).


De forma rude e grosseira, o governador respondeu que as emendas seriam bem-vindas, mas iria, sim, retirar os recursos do FAC para a reforma do Teatro, impedindo o prosseguimento de qualquer diálogo sobre o assunto."

sábado, 14 de abril de 2018

Quem matou Marielle Franco?

Eu não conheci a Marielle Franco pessoalmente. Mas conheci sua campanha, em 2016. Amigos/as em quem confio, do PSOL ou não, pediam votos pra ela entusiasmadamente. Ela só podia ser uma pessoa boa. No adorável e resistente Bip-Bip, a maior parte dos frequentadores, notei certo domingo, se dividiam entre ela e Reimont. Peguei o panfleto, achei legal pra caralho. Ela só podia ser uma pessoa boa.

Recebi com alegria a notícia de sua eleição por expressiva votação. Torci pra que o mandato fosse bom, porque o Rio merece, a periferia merece. Porque as mulheres negras das favelas merecem essa referência. Ela só podia ser uma pessoa boa.

Há um mês, aquele nome, Marielle Franco, que li em panfletos e diálogos de luta e de esperança, estava numa notícia horrível, digna deste nosso tenebroso tempo. A dor pesa 500 toneladas. Tão difícil colocar nesses quase-sempre-odiáveis parlamentos uma mulher negra da favela. Lutadora dos direitos humanos. Quando ela chega lá, dão-lhe quatro tiros na cabeça e pronto. Eles atiram na esperança da gente, na esperança do povo pobre. Ela foi morta porque estava fazendo bem seu trabalho. Marielle foi morta porque estava honrando cada um de seus mais de 46 mil eleitores.

Mataram uma vereadora no meio da rua na ex-capital do país. Ela era uma pessoa boa.


sábado, 20 de janeiro de 2018

Esverdeia














Esverdeia, meu pai
Esverdeia
Bota cor neste mundo sombrio
Ilumina o meu caminhar
Esverdeia
Bota o gosto doce da fruta
Na boca do povo
Bota o aroma fresco da mata
No coração a pulsar
Esverdeia, meu pai
Pulsa o verde-esperança
Que este mundo precisa de cor
Esverdeia
Alimenta de paz, amor e alegria
Traz inspiração
Na ponta de sua flecha

São essas nossas armas
De o mundo mudar

Ele vai mudar.

Okê arô, Oxóssi